O ministro Celso de Mello, do STF
(Supremo Tribunal Federal), fez um desabafo no começo da semana a um velho
amigo, José Reiner Fernandes, editor do "Jornal Integração", de
Tatuí, sua cidade natal. Em pauta, críticas que recebeu antes mesmo de votar a
favor dos embargos infringentes, que deram a réus do mensalão chance de novo
julgamento em alguns crimes.
"Há alguns que ainda
insistem em dizer que não fui exposto a uma brutal pressão midiática. Basta
ler, no entanto, os artigos e editoriais publicados em diversos meios de
comunicação social (os 'mass media') para se concluir diversamente! É de
registrar-se que essa pressão, além de inadequada e insólita, resultou
absolutamente inútil", afirmou ele.
Mello parece estar com o assunto
entalado na garganta. Na terça-feira (24), ele respondeu a um telefonema da
Folha para confirmar as declarações acima. E falou sobre o tema por quase meia
hora.
"Eu imaginava que isso
[pressão da mídia para que votasse contra o pedido dos réus] pudesse ocorrer e
não me senti pressionado. Mas foi insólito esse comportamento. Nada impede que
você critique ou expresse o seu pensamento. O que não tem sentido é pressionar
o juiz."
"Foi algo incomum",
segue. "Eu honestamente, em 45 anos de atuação na área jurídica, como
membro do Ministério Público e juiz do STF, nunca presenciei um comportamento
tão ostensivo dos meios de comunicação sociais buscando, na verdade, pressionar
e virtualmente subjugar a consciência de um juiz." "Essa tentativa de
subjugação midiática da consciência crítica do juiz mostra-se extremamente
grave e por isso mesmo insólita", afirma.
E traz riscos. "É muito
perigoso qualquer ensaio que busque subjugar o magistrado, sob pena de
frustração das liberdades fundamentais reconhecidas pela Constituição. É
inaceitável, parta de onde partir. Sem magistrados independentes jamais haverá
cidadãos livres."
"A liberdade de crítica da
imprensa é sempre legítima. Mas às vezes é veiculada com base em fundamentos
irracionais e inconsistentes." Por isso, o juiz não pode se sujeitar a
elas. "Abordagens passionais de temas sensíveis descaracterizam a racionalidade
inerente ao discurso jurídico. É fundamental que o juiz julgue de modo isento e
independente. O que é o direito senão a razão desprovida da paixão?"
O ministro repete: não está
questionando "o direito à livre manifestação de pensamento". "Os
meios de comunicação cumprem o seu dever de buscar, veicular informação e
opinar sobre os fatos. Exercem legitimamente função que o STF lhes reconhece. E
o tribunal tem estado atento a isso. A plena liberdade de expressão é
inquestionável." Ele lembra que já julgou, "sem hesitação nem
tergiversação", centenas de casos que envolviam o direito de jornalistas
manifestarem suas críticas. "Minhas decisões falam por si."
Celso de Mello lembra que a
influência da mídia em julgamentos de processos penais, "com possível
ofensa ao direito do réu a um julgamento justo", não é um tema inédito.
"É uma discussão que tem merecido atenção e reflexão no âmbito acadêmico e
no plano do direito brasileiro." Citando quase uma dezena de autores, ele
afirma que é preciso conciliar "essas grandes liberdades
fundamentais", ou seja, o direito à informação e o direito a um julgamento
isento.
O juiz, afirma ele, "não é
um ser isolado do mundo. Ele vive e sente as pulsões da sociedade. Ele tem a
capacidade de ouvir. Mas precisa ser racional e não pode ser constrangido a se
submeter a opiniões externas".
Apesar de toda a pressão que diz
ter identificado, Celso de Mello afirma que o STF julgou o mensalão "de
maneira independente". E que se sentiu "absolutamente livre para formular
o meu juízo". No julgamento, ele quase sempre impôs penas duras à maioria
dos réus.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br
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