Atrás do sonho de uma vida melhor
a maioria das mulheres acabam na prostituição. Esse tipo de crime é o terceiro
mais rentável do mundo, perdendo apenas para tráfico de drogas e contrabando.
A promessa de uma vida melhor na
Europa mexeu com as expectativas de Ludimila, de 28 anos, e de Viviane, de 34.
As duas goianas juntaram as malas e, em dezembro do ano passado, seguiram para
Galícia, na Espanha, depois de uma mulher que conheciam prometer que lá
conseguiriam trabalho para enviar dinheiro aos familiares, inclusive filhos,
que ficaram do lado de cá da fronteira. Ao desembarcar no país ainda estranho,
ambas levaram um susto: caíram na armadilha do tráfico internacional de seres
humanos e viram despencar o sonho de uma vida melhor.
As duas goianas são apenas um
extrato da imensidão de vítimas do terceiro crime mais rentável do mundo. Tem
movimentado cerca de US$ 31 bilhões de dólares por ano e está atrás apenas do
tráfico de drogas e do contrabando de armas, segundo estimativas da Organização
das Nações Unidas (ONU). Pelo menos 2 mil mulheres goianas foram aliciadas nos
últimos dez anos, conforme números da Polícia Federal (PF), e, apenas neste
ano, duas morreram após serem exploradas, sexualmente.
As cenas do pesadelo persistem na
memória de Ludimila e de Viviane. Eram obrigadas a atender, em quartos
insalubres, até 20 homens por dia. Todos sedentos por sexo. Tinham direito a
apenas um banho e uma alimentação por dia e, entre um cliente e outro, usavam
só um lenço umedecido para limpar o corpo. Sem concluírem o ensino médio, as
duas permaneciam sob a vigilância dos aliciadores o tempo todo. Mas, certa vez,
saíram para comprar lanche e conseguiram fugir. Sufocadas pelo desespero, encontraram
apoio numa organização não-governamental (ONG) e, em maio deste ano, retornaram
a Goiás. Vivem no anonimato, ávidas para superar o trauma.
A goiana Simone Borges Felipe
também caiu na mesma emboscada do tráfico internacional de seres humanos. Não conseguiu
voltar para casa. Morreu na Espanha. Aos 25 anos, foi para a cidade de Bilbao
e, enganada, teve de se prostituir. Na primeira oportunidade, ligou para sua
mãe, a costureira Maria Leite Felipe. “Ela disse que lá era um inferno, era
obrigada a se prostituir, estava desesperada”, lembra-se do relato da caçula,
no submundo da prostituição. “Nunca esperava um caso desses na minha família”,
acrescenta, com os olhos vermelhos de tanto chorar.
Na casa de Maria Leite, no Setor
Santos Dumont, Região Noroeste de Goiânia, uma fotografia de Simone ocupa um
pedaço da parede da sala e faz a família manter acesa a lembrança do riso dela.
Seu sofrimento ajudou Glória Perez a escrever a novela Salve Jorge, em exibição
desde a última semana pela Rede Globo/TV Anhanguera.
O pai de Simone, o músico João
José Felipe, acredita que a trama vai servir para alertar potenciais vítimas do
tráfico internacional de seres humanos. “É um alerta para que as mulheres
fiquem mais atentas e não caiam na lábia dos aliciadores”, conta.
Coordenadora da Comissão
Executiva de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas em Goiás, Nelma Pontes explica
como a rede criminosa ainda persiste nos dias de hoje. “É um crime quase
invisível. O produto e a prova do crime são a própria pessoa”, diz. “Não tem como
precisar a quantidade de pessoas que estão sendo traficadas. É um problema
muito obscuro”, emenda o secretário estadual para Assuntos Internacionais, Elie
Chidiac.
Com a proposta de levantar dados
do crime no Brasil, o Congresso Nacional instaurou, em abril do ano passado,
uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o problema. O
POPULAR apurou que o relatório final deve ter um capítulo específico para
Goiás, mas ainda não há previsão para ser divulgado.
O procurador da República Daniel de
Resende Salgado ressalta a necessidade de fazer política preventiva. “Não
adianta fazer propaganda para a classe média, que não é vitima do trafico”,
sugere. “O crime de tráfico humano é um crime contra os direitos humanos”,
emenda.
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