O Juiz da pequena Comarca de
Currais Novos, que fica a 200 quilômetros de Natal, decidiu ontem bloquear
todos os recursos do Estado do Rio Grande do Norte destinados à propaganda
institucional. O dinheiro será transferido para
a Saúde pública.
A decisão se deu em uma ação de uma
senhora que processava o Estado para obrigá-lo a realizar um procedimento
cirúrgico fundamental no tratamento do câncer.
Segundo o juiz Marcus Vinícius,
existem mais de 40 processos do mesmo tipo na comarca de Currais Novos que,
segundo ele, vive um colapso na saúde.
Na sentença, baseado em números
do Tribunal de Contas do Estado, o juiz constatou que, no ano de 2011, o Estado
do Rio Grande do Norte gastou 11 milhões de reais em Saúde, enquanto destinou
16 milhões em propaganda institucional.
Por força da decisão, as
empresas: InterTV Cabugi, TV Ponta Negra, TV Bandeirantes Natal, TV Tropical,
TV União, TV Universitária, Sidys TV a Cabo, Jornal Tribuna do Norte, Rádios
(96, 98, 104,7 e Cabugi3) já pararam de receber os recursos do Estado.
Para se ter uma ideia dos
interesses que o juiz Marcus Vinícius enfrentou, a Inter TV Cabugi; o jornal
Tribuna do Norte; e a rádio Cabugi3, são ligados à família Alves do Presidente
da Câmara, Henrique Alves, e do Ministro da Previdência, senador Garibaldi
Alves (PMDB). O grupo, TV e rádio, é afiliado às Organizações Globo.
A TV Tropical, afiliada da Rede
Record, pertence à família Maia, do senador Agripino Maia (DEM).
A terceira família que manda na
política e nas comunicações do estado do Rio Grande do Norte é a família
Rosado, da governadora Rosalba Ciarlini Rosado (DEM), que aliás, o Juiz Marcus
Vinícius intimou a depor no processo.
A família Rosado é dona do Rede
Potiguar de Comunicação.
Dos dez parlamentares eleitos
pelo estado do Rio Grande do Norte em 2010, oito deputados federais e dois
senadores, sete tem um dos sobrenomes: Maia, Alves ou Rosado.
Segue a íntegra da entrevista em
áudio e texto.
1 – PHA: Dr. Marcus Vinícius, o senhor
poderia justificar, do ponto de vista da lei, a sua decisão?
Marcus Vinícius: Sim, Paulo, na
verdade existe uma grande demanda de saúde na comarca em que eu trabalho, numa
cidade de interior, no Estado do Rio Grande do Norte.
E o Estado não vem correspondendo
aos anseios da população no que se refere à prestação do direito à saúde.
Existem várias pessoas com
problemas de câncer, problemas ortopédicos.
Essas pessoas ajuízam ações
judiciais, e o Estado termina – mesmo no final dos prazos de 70, de 90 dias –
não garantindo à população o acesso à saúde.
Inclusive, em uma Ação Civil
Pública ajuizada aqui, em Currais Novos, foi constatado que a UTI do Hospital
Regional não estava funcionando por falta de pagamento aos médicos contratados.
Em razão disso, analisando a
prioridade orçamentária, nós constatamos que o Estado do Rio Grande do Norte
vem gastando muito dinheiro com a publicidade institucional. E, por outro lado,
ele não tem garantido o acesso à Saúde.
Então, foi determinado, com base
no artigo 461, paragrafo 5º, do Código de Processo Civil, que o Estado
suspendesse os gastos com propaganda institucional, até que possa garantir o acesso à Saúde, nesse caso
específico.
Tão logo o Estado garanta o
direito à saúde, normalmente, seriam liberados esses recursos destinados a
propaganda institucional.
2 – PHA: O senhor poderia dizer o
que está previsto neste artigo 461, paragrafo 5º, do Código de Processo Civil?
Marcus Vinícius: O artigo 461,
paragrafo 5º, do Código de Processo Civil diz que o juiz pode tomar as medidas
que forem necessárias para garantir a tutela específica, e garantir que o
direito pleiteado seja conquistado.
Por exemplo, nesse caso de tutela
de Saúde, dessa decisão de ontem – que foi o grande estopim de toda essa
situação – é o de uma senhora que necessitava de uma cirurgia em função de um
câncer.
Ela precisava realizar a drenagem
de um tumor no abdome para poder dar início a um processo de quimioterapia, e o
Estado, mesmo intimado, normalmente não garante esse acesso à saúde.
Então, o Código de Processo Civil
possibilita ao Juiz tomar medidas como essa.
No caso, a suspensão de recursos
para o pagamento de propaganda institucional, para que, nesse caso especifico,
ele forneça o serviço.
A ideia é que, se o Estado não
tem os recursos – como muitas vezes alega – para garantir o direito à saúde,
ele não pode utilizar recursos – também públicos – com o custeio de propaganda
institucional.
Apresenta-se como algo muito
contraditório uma pessoa, por exemplo, essa senhora, que está com câncer,
necessitando de uma cirurgia, não ter acesso à saúde enquanto ela vê, em sua
residência, a exibição de uma propaganda institucional dizendo que o Estado do
Rio Grande do Norte está em ótimas condições, sendo que isso, infelizmente, não
corresponde à verdade.
3 – PHA: O senhor tem uma ideia
do valor desses recursos pagos pelo Estado a Inter TV Cabugi; TV Ponta Negra;
TV Bandeirantes Natal; TV Tropical e etc?
Marcus Vinícius: Como
fundamentação da decisão, foi usado um relatório do Tribunal de Contas do
Estado do Rio Grande do Norte, analisando as contas de 2011 – que tem se
repetido nos anos seguintes. Nesse relatório se chegou à conclusão de que o
Estado gastou no ano R$ 11 milhões com Saúde e, por outro lado, gastou R$ 16
milhões em propaganda institucional.
A análise do Judiciário é que tem
que ser dada prioridade a esse anseio da população, que é o direito à Saúde.
Considerando esse parâmetro, foi determinada suspensão – até para que se
verifique melhor o que exatamente está sendo contratado com essas empresas.
No decorrer do processo, cada uma
dessas empresas vão ter que informar ao Judiciário quanto está sendo aplicado,
e após toda essa documentação ser juntada no processo, será proferido um
julgamento final.
4 – PHA: Quando terminará essa
questão? Ou seja, quando o senhor vai considerar que o dever do Estado foi
cumprido ?
Marcus Vinícius: O Judiciário
trabalha de acordo com as demandas. Foi concedido à governadora do Estado do
Rio Grande do Norte (Rosalba Ciarlini Rosado, do DEM) o prazo de cinco dias
para ela indicar a data, o local e a equipe destinada à realização dessa cirurgia.
Agora, da mesma forma que essa
cidadã está precisando de uma cirurgia, aqui na comarca de Currais Novos nós
temos outros 40 processos na mesma situação.
Normalmente o que ocorreria? O
Judiciário acaba fazendo o bloqueio dos recursos públicos e pagando o serviço
na rede privada, o que representa sempre um prejuízo muito grande para o
Estado, e, diga-se, para população. Uma vez que o valor pago pelo SUS – se nós
tivéssemos uma gestão adequada dos recursos de saúde no Estado do Rio Grande do
Norte – é um valor muito menor do que o pago na rede privada.
Então, a população é penalizada
em dois momentos: ela paga mais caro depois de já ter passado um grande tempo
de angustia, já que os nossos hospitais aqui, infelizmente, estão cheios; e
paga mais caro ainda, porque esses procedimentos acabam sendo feitos na rede
privada.
Para a resolução dessa questão, o
Estado do Rio Grande do Norte poderia disponibilizar esse tratamento à Saúde e,
no momento em que fosse verificada a disponibilização, automaticamente, esse
bloqueio aos recursos destinados à propaganda institucional seria finalizado.
5 – PHA: O senhor não teme ser
crucificado por esses veículos de comunicação?
Marcus Vinícius: Bom, isso é uma
possibilidade. Mas, o juiz, diante da sua independência, ele tem que trabalhar
para honrar os preceitos presentes na Constituição Federal.
E o direito à saúde está acima do
direito de fazer propaganda institucional.
Então, no caso concreto, posto em
julgamento aqui em Currais Novos, é uma questão de Justiça – mesmo sabendo
dessa possibilidade de crucificação pelos meios de comunicação: garantir que o
povo tenha acesso aos recursos destinados ao povo.
A medida extrema foi essa,
destacando que, antes dessa, várias outras medidas foram tomadas. Nós tentamos
por diversas formas garantir que o Estado garantisse o direito à Saúde.
Lembrando que, essas são apenas
as pessoas que tem acesso ao Judiciário. Muitas das pessoas não tem sequer
acesso ao Judiciário.
Aqui na cidade de Currais Novos
nós estamos passando por um caos na saúde. Por diversas vezes, foram fixadas
placas na frente do hospital anunciando que a emergência estava fechada por
falta de médicos plantonistas.
Logo que as medidas foram sendo
tomadas pelo Judiciário e pelo Ministério Público, o quadro começou a mudar.
6 – PHA: O senhor se baseou em
algum precedente, em alguma decisão anterior, ou o senhor tomou uma decisão
pioneira?
Marcus Vinícius: Eu de fato não
conheço nenhuma decisão nesse sentido. Mas tomei a decisão com a esperança de
que, de fato, o poder Judiciário haja com independência e possa garantir o
direito à Saúde para a população.
Eu não estou confortável em uma
ação como essa. O que eu queria é que a população tivesse acesso aos serviços
de Saúde e que não existisse esse tipo de demanda. Mas, como não existe, o
Judiciário tem que enfrentar (o problema) mesmo que tomando medidas como essa.
Vamos aguardar o que os tribunais
superiores dirão, inclusive o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte,
acerca da aplicabilidade dessa medida.
7 – PHA: A governadora já recorreu?
Marcus Vinícius: Não, não existe
nenhum recurso. A medida foi tomada ontem, as pessoas ainda estão sendo
notificadas.
Mas, o que eu posso garantir é
que essa decisão já está sendo cumprida. Os órgãos de comunicação que receberam
(a notificação) já não estão mais exibindo essa propaganda institucional.
A ideia do Judiciário é que esses
recursos para propaganda sejam liberados tão logo o Estado garanta o direito à
saúde aos cidadãos aqui de Currais Novos.
8 – PHA: A quanto tempo o senhor
está a frente dessa vara de Currais Novos?
Marcus Vinícius: Eu sou
magistrado no Rio Grande do Norte há nove anos, e estou a frente dessa comarca
de Currais Novos há aproximadamente três anos. É uma comarca bastante
complicada, onde nós temos mais de 5 mil processos, não temos sequer um
assessor para garantir uma tramitação maior desses processos, mas o Tribunal
vem trabalhando para garantir uma tramitação mais rápida dos processos.
O juiz tem que estar pronto para
a qualquer momento garantir essa tutela jurisdicional. Garantir a população uma
decisão, mas não apenas uma decisão, mas uma decisão efetiva.
Porque de nada adianta para
população que um juiz declare um direito se ele não aplica uma medida que faça
esse direito de fato chegar ao cidadão. A nossa grande preocupação é exatamente
essa, de não só declarar direitos, mas de fazer com que esses direitos sejam de
fato concretizados.
Em Tempo: Por telefone, o
secretário de comunicação do governo do Estado do Rio Grande do Norte, Edson
Braga, disse, à redação do Conversa Afiada, que o Procurador-geral do Estado já
foi notificado quanto à decisão da comarca de Currais Novos e que, ainda
amanhã, deverá ingressar com ação no Tribunal de Justiça para recorrer da
decisão.
Fonte: http://www.conversaafiada.com.br
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